terça-feira, 23 de dezembro de 2014

NATAL

não é quando um homem quiser
o Natal, nem quando qualquer outro homem fizer
quantas estrelas inquietas
seriam necessárias para reconduzir
magos e poetas ao mistério do Conselheiro
na dimensão de pequenas mãos
quantos concertos de anjos
e acordes de flautas de pastores
para acompanharem
os vagidos frágeis de Deus na faringe
de um Menino, Natal

foi quando Deus quis e sonhou
que o Príncipe da Paz fosse menor
do que um rei
foi quando Deus quis que passou
pelo sonho de profetas
um Menino
o Maravilhoso coberto de panos
de linho de rejeição

que um Menino, num sopro único, nasceu
como todos os meninos, que são
o despojo da dor das suas mães

foi quando Deus encheu o tempo
foi então que a palpitação das galáxias
descansou à espreita desse momento
que é o princípio de tudo em flor

Rui Miguel Duarte
23/12/2014

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Poema X, [Ocupou, certa vez, o coração de David]


("Bate-seba no banho", Sebastiano-Ricci, 1679-1734)

(X)

Ocupou, certa vez, o coração de David
Rei, o desejo, pesava bastante o que seus olhos
Viam, no banho Bate-Seba,
A beleza do corpo coberta pela luz
Da seda do crepúsculo.

11-12-2014
© J.T.Parreira

in "Um pouco ao lado das Crónicas dos Reis e de Israel, em preparo)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Deus e o paradoxo

A criação do céu, de Michelangelo
por George Gonsalves


Deus é o primeiro e o último

o início e o fim de todas as coisas

É único, mas trino

Autor e consumador da nossa fé

Habita no mais alto e sublime céu e com o abatido de espírito

Tão grande que nada pode contê-lo, mas encontra-se na menor partícula

Não há beleza para descrevê-lo, mas seu Filho não tinha formosura

Sua morada tem ruas de ouro, mas quando veio ao mundo nasceu em manjedoura

É pleno, mas deseja estar conosco

domingo, 23 de novembro de 2014

ANTES DO SALMO 51 DAVID E NATÃ





Com uma das mãos lavo o rosto
Com a água corrente dos meus olhos
A outra apoia-se no vazio, abraça
A solidão, a sombra do silêncio
Da harpa suaviza o meu coração de pedra
Agora de carne e fogo
Um hissope começa a escrever o cântico
Do perdão a sangue e água, no espelho
Do meu rosto.


23-11-2014
© João Tomaz Parreira



sábado, 20 de setembro de 2014

UMA PALAVRA





    Estamos desprevenidos e uma palavra 
    Que parece não fazer falta, força o tumulto
    Na corrente profunda da alma, paira
    Acima do tempo, uma palavra simples
    Que começa nas franjas do sangue, Mãe
    Como Hoffmann perdido sem reflexo no espelho
    Olho-me e estou órfão
    Agora que a morte cortou o cordão umbilical.


    20-09-2014
    © João Tomaz Parreira



terça-feira, 16 de setembro de 2014

PORCO NOJENTO

“Foi pedir trabalho a um homem da região que o mandou para os seus campos guardar porcos.”
Evangelho segundo Lucas 15:15

é nojento esse porco até à
milésima casa e à milésima
geração de dias
faltam-lhe as subtilezas do alfabeto
declinado às cordas do amor, o velho
abraço à sombra escorrendo
seiva fosforescente da barba
sobram-lhe o nojo o cuspo
o beijo viscoso à procura de uma palpitação
assim nasce e cresce
o porco o nojo o cuspo a que se reduz o corpo
que a alma foi perdida lá atrás
num descaminho de má vida
disseram-lhe que podia beber o pus
pois as bolotas são dos porcos nojentos
e o pão é nosso de cada dia dos ratos
a alma foi perdida lá atrás: pergunta onde?
lá atrás há porcos que regressam ao velho
abraço à sombra que escorre
o sol
Rui Miguel Duarte
12/09/14

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

domingo, 10 de agosto de 2014

Queria escrever...mas a tinta acabou


George Gonsalves

Dentre as folhas que se esparravam pela mesa, peguei uma e comecei a rabiscá-la, tentando definir a Deus:

Imutável
Incomparável
Infindável
Incompreensível
Indestrutível
Inquebrantável
Imbatível
Incansável
Indefectível
 Inefável
 Inominável
Indizível

Queria continuar a escrever...mas a tinta acabou.

terça-feira, 1 de julho de 2014

A FIGUEIRA

“Então Jesus exclamou: «Nunca mais ninguém coma do teu fruto!»”
Evangelho segundo Marcos 11:14
Darás fruto algum dia, ó figueira
gotas de água do fundo da tua raiz
alguma vez nascerá em ti o Verão
haverá um rasto de amor para o meu ardor?
em ti mais não escorre
do que a secura que o livor pôs
na tua mudez tens a morte por rebento
não há sol perante ti, árvore de prata,
mas um apetite de uma palavra uma só
que salve a madrugada da fome da terra
não há nada pronto mas uma vontade
de mãos cheias de sabores vivos
arrancados à conjura do vento e das sombras
porque persiste em ti o Inverno?
Rui Miguel Duarte
02/06/14

sábado, 21 de junho de 2014

A Última Aurora


A Última Aurora

Ela aniquilará todas as precedentes,
ao aniquilar o Tempo,
ao estabelecer Deus-como-aurora

Quando orar esta noite, rogue,
rogue para que a aurora de amanhã seja calibrada
no nível máximo: ARMAGEDOM

que o sol exploda com o dia

para que Ele venha ocupar o lugar do sol.

Sammis Reachers

segunda-feira, 12 de maio de 2014

O QUE DISSE A CRIANÇA SÍRIA VÍTIMA DA GUERRA



“Quando eu morrer, vou contar tudo a Deus”
pouco serviu Lizt compor
um Rêve d’amour, ou a beleza

das macieiras entre os bosques
do Cântico dos Cânticos
direi que fui um lírio entre os espinhos

Muito pouco valeu o perfume
da noite das rosas de Damasco
para pouca coisa serviu

ter ficado em delírio a sonhar a paz
multicolor dos vestidos
das meninas que jogaram comigo

Vou contar tudo, o que valeu às nossas mães
terem o mel
nos favos dos seus dedos?

Valeu pouco,  à luz que passa
entre as sombras das palmeiras
ficar à roda do meu corpo.


11-05-2014

© João Tomaz Parreira 

sábado, 3 de maio de 2014

EPODO AO SALMO 139

a J. T. Parreira, com amizade, solidariedade poética e votos de saúde


Alguém lá em cima gosta de mim
alguém lá em cima tem colo de ouro
e braços de estrelas
para os meus cansaços

posso estar no chão e os meus pés
pisarem os céus e os ínferos dos mortos
pode não sobrar de mim mais do que
a voz que grita a ocidente e a oriente
e Alguém aí está e gosta de mim

posso não ter mais do que algas podres
em vez de mãos um seixo túrgido
em vez de uma canção que se atira
contra os tremores de ventos e marés

que claro e imperceptível é
que, ao mostrar-se treva luz,
Alguém gosta de mim

Rui Miguel Duarte

03/05/14

domingo, 27 de abril de 2014

Exaltação à Páscoa, poema de Filemon Francisco Martins


Exaltação à Páscoa

Vibrai, ó povos do Oriente,
Cantai, ó povos do Ocidente,
Como canta o coro dos remidos!
Uni-vos todos do Planeta Terra,
Porque o Cristo de Belém,
Depois de palmilhar caminhos da Judeia
E pregar a mensagem de amor por toda a Galileia
Doutrinando apóstolos, fazendo milagres,
Curando enfermos, ressuscitando mortos,
Está vivo!
Ele ressuscitou!

Chorai, Jerusalém, chorai,
Porque matastes profetas,
Porque fostes palco da traição de Judas,
Culminando na morte de um inocente!

Contemplai a paisagem deslumbrante,
Roseirais e lírios dos vales de Cedrom,
Perfumai todos os jardins por onde passou
O suave Rabi da Galileia!

Palmeiras dos campos verdejantes,
Prados perfumados e floridos,
Oliveiras da bela cidade de Jerusalém,
Dos hortos e dos montes de Sião,
Rosas brancas, azuis, amarelas e vermelhas
Que perfumam as margens do Jordão
Todo colorido e em festa,
Porque venceu o escárnio e a zombaria,
Porque ressurgiu da morte
O excelso, magistral e sublime
JESUS DE NAZARÉ!

Esta é a canção de amor, de fé e de esperança
Que se espalha pela Terra.
A contrição dos remidos, a música celeste
Que ecoa nos céus trazendo para o povo a vida!
Vida plena, vida de fé, vida de amor, transformação,
Libertação, porque Cristo vive e reina!

JESUS RESSUSCITOU! ALELUIA! ALELUIA!

domingo, 20 de abril de 2014

RELATO

“Quem acreditou naquilo que ouvimos?”
Livro do Profeta Isaías 53:1

pediram-nos uma palavra 
aberta em melodia que falasse
do drama da alegria

do seu breve trânsito pelos velhos mortos
em que foram decompostas as nossas pobrezas

pediram-nos uma memória,
quente, nova que fizessem acreditar
que a memória é símbolo e é carne

pediram-nos um relato
mais vivo e que mais fortemente
arrepiasse a espinha ao silêncio
do que o próprio evento
que contar o espinho ferisse mais
do que o espinho,
porque a mortalha dele é nossa roupa nova
para dia de festa
e o sangue dele o nosso músculo enxuto
contar quanto a pedra caiu à beira do caminho
diante do clamor das mulheres
quanto o dia em que a noite
foi apenas a preparação da manhã

o que temos é só o que ouvimos
porque Ele retornou ao Pai
deixou-nos, contadores

necessário é: para manter
os ouvidos ouvindo
e em desemparo acreditando

e nós contamos

Rui Miguel Duarte
19/04/14

sábado, 19 de abril de 2014

A Páscoa do Equalizador


Cruz lent'arralastrando-lhe os passos
n'ínvios pedaços do vil
                                 caminho

direção a mais contrária à do ninho
marcha o magro Deus para o antiabraço

espadas, crucifixos passos
abraços cancelados
                        pelo caminho
"jamais o conheci"
diz o covardecrasso

já tristetecida a coroa de espinho
o choro paralisado no angelespaço
veja como vergam suas pernas finas quase as minhas
Deus diminuído em pó no da morte de largo lastro laço

anarcoroado maltraphilos numa cruz embaralçado
veja, eu o martelo
o suspendo, escarro, atravesso.
que eu não sei o que faço
sussurra ágapeado Deus num suspirespasmo


treme a terra. compreende o romano. sorri o anticristo.
morre o Cordeiro para equalizar o Caos & aplacar a Lei.

dentre três dias, anticristo, de baixo para cima
no mural dito ETERNIDADE, estarás crucificado.


quinta-feira, 6 de março de 2014

CONCLUSÃO

“É tempo de concluir; já tudo foi dito.”
Eclesiastes 12.4

De tudo isto a conclusão é: o sol brilha
e não deixa vivalma isenta de meio-dia
a noite consome-nos quando faz assobiar os gonzos
por trás de nós, por trás da memória

a areia devora-nos o rosto, é uma mó
que de tanto moer grão seco quebrou

o coração dissolve-se no vento
sem saber o que o leva às alturas
sem saber se há alturas ou apenas vertigem

de tudo isto, dos velhos que são fortes
curvados, do deserto em que não entrámos
que perdemos na ilusão de ser mar mas que entra
por nós dentro, e nos traga as mãos
ao tanto escorrer

de tudo isto a conclusão
é afinal irrefragável:
teme ao Senhor ama os preceitos dum Pai
a eternidade que são
todas as horas da tua vida de homem,
esta é a tua condição, esta é a tua conclusão

Rui Miguel Duarte
06/03/14

sábado, 1 de março de 2014

O QUE NÃO SE DISSE

Disse quase todas
Só uma palavra é que não disse
Mas brilhava-me nos olhos

Disse quase todos
Os pronomes, só um é que não disse
Mas era uma sombra ao meu lado

No silêncio diz-se quase tudo.


28/2/2014


© João Tomaz Parreira

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O ÚLTIMO CÁLICE

até amanhã
já me basta o vinho de hoje
o mal de cada dia que vem a nós

só o vinho o novo e o velho
de cada hora

até amanhã
quando às estrelas
forem cortados os ventres das uvas

até amanhã
lá no meu Reino
lembrai-vos de mim

Rui Miguel Duarte
18/02/14

domingo, 26 de janeiro de 2014

O Anjo do Tanque de Betesda

O mesmo anjo descia
ou era outro
Corria na cidade

a hora improvável
da visita
Os homens informavam
as crianças buliam o pó
de tanta correria
mulheres escondiam no rosto
as emoções mais puras

Um anjo descia
era o mesmo? era outro
no vento irrequieto
sobre as águas
num gesto branco e largo
Para os absortos nada
nem para os solitários
mesmo para os confiantes
da vida sem finalidade
Só os doentes mais hábeis
entravam no torvelinho
das águas lavradas
na velocidade da luz

Um dia o anjo não veio
ou veio tarde, era o mesmo
ou seria outro? Alguém
no entanto que veio
vinha pelo seu pé
e trazia nos olhos toda
a desarrumação do mundo
e vinha com ouvidos atentos
para a hora do milagre.

© João Tomaz Parreira

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A Transfiguração


Mas ninguém se atrevia a olhá-lo na cara,
porque era semelhante à dos anjos”
Oscar Wilde



Subiu ao monte
com um rosto no qual depois o sol nasceu,

a luz velando o rosto e sobre a luz
e o branco dos vestidos
os discípulos se alegraram,

o vento cantava no cume da montanha,
desceu a glória de uma nuvem
e as vozes, que traziam a certeza
da morte redentora, falou-se de cicatrizes
e ouviu-se a voz de Deus, que talvez trouxesse
a neve dos cabelos envolvida em lume.


9/8/2013
 
© João Tomaz Parreira  

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Nos jardins da Babilónia

aprendi a língua da Babilónia
a língua que falam 
as árvores 
                   da glória 
aprendi como os jardins se levantam
                   e abraçam o zigurate
aprendi a moldar a lama 
                   e dar-lhe a candura do rio

aprendi a língua da Babilónia
a língua que cantam 
sonhos estátuas duras
                   de profecia

aprendi que o vinho existe
e que se degusta antes de o dia 
                   ter espessura
que se bebe de janela aberta
                   só

aprendi 
onde as ruas
                   se cruzam
com masmorras as vozes que denunciam
que o banquete dos aromas
                   vai começar

aprendi e depressa desaprendi
o que tem a Babilónia para eu lhe ensinar?


Rui Miguel Duarte
31/12/13

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